O VALOR ARTÍSTICO DAS OBRAS DA I.A.

Piquenique Sob Céu Nublado, 2023 - inteligência artificial sobre tela de computador.

Faz tempo que a humanidade se debruça a debater sobre a "ameaça" da I.A., especialmente no quesito competição com a mão de obra humana. Uma inteligência mais avançada, mais rápida, mais precisa, "dominando" (quiçá, eliminando) uma inteligência mais primitiva e limitada? Nossa! De onde tiram essa ideia "absurda"?

No campo das artes, do design gráfico, da produção de imagens, não poderia ser muito diferente. Escrevendo-se poucas palavras, sem qualquer noção artística, uma pessoa pode ter à sua disposição uma gama de imagens de encher os olhos. Não precisa pedir refações. Não precisa pedir, encarecidamente, outras opções, pagando um extra e esperando pela disponibilidade do artista. A I.A. faz tudo de novo, quantas vezes você quiser, até a imagem criada "casar" com o que você tinha em mente. E tudo de graça!

É verdade que a I.A. ainda não está entendendo muito bem alguns conceitos básicos de realidade. Imagens de seres humanos com rostos deformados, com quatro ou seis dedos em cada mão, posturas anatomicamente impossíveis e outros erros crassos são até que bastante comuns. Mas, a cada vez que uma pessoa utiliza a I.A., ela vai aprendendo e produzindo mais e melhor. Afinal, inteligência (mesmo a artificial) é aprendizado, é evolução. Não uma "calculadora", em que se digitam os dados e se dá um resultado constante, fazendo uso de imagens previamente armazenados num sistema.

Tudo isso é muito empolgante, não dá pra negar! Criar imagens "reais", imagens surreais; explorar estilos diferentes: impressionismo, dadaísmo, cubismo, "disneyismo"... é só escrever da forma que melhor se aproxime do que se está pensando e deixar a I.A "trabalhar" por alguns segundos.

Toda essa facilidade não poderia deixar de gerar discussões as mais acaloradas nos recônditos da internet; especialmente dos que vivem de arte. A sensação de que sua mão de obra está se tornando obsoleta gera inquietação. Parece que tudo o que você aprendeu, bem como os anos de dedicação e aprimoramento, estão sendo jogados para escanteio, para o banco de reserva. E a ideia de que sua profissão está sendo praticada por "máquinas", competindo com você, é revoltante. Óbvio.

Mas burburinhos sempre existiram por todo e qualquer motivo. Nos tempos em que fui desenhista profissional (sim! Fui, mas não sou mais), lembro-me de que o debate entre os artistas era de que ninguém podia cobrar "barato" pelo serviço, que isso desvalorizava a classe. Artistas, em geral, não se ajudam e costumam disputar clientes a tapas. Mas, para o discurso da valorização profissional, milagrosamente surgia o conceito de "classe". Os desenhistas iniciantes, que não podiam competir com os "velhos", acabavam sendo escrachados na internet por cobrarem mais barato ou, até, desenharem de graça buscando visibilidade. No fim, o discurso da "valorização profissional" acabava resumido a uma ferramenta de exclusão (mais uma) de novos artistas para o mercado não saturar e os "velhos" poderem cobrar mais caro pelo serviço.

Só que, quase que de repente, surgiu a I.A. gratuita e acessível a qualquer pessoa. E é claro que, para muitos, aquelas imagens geradas por I.A. não poderiam ser consideradas "arte", mas, apenas, coisas descartáveis e sem valor. A imagem pode ser muito parecida com a que se faz em Photoshop ou artesanalmente, em tela ou folha de papel, levando-se vários dias para concluir... mas, sendo feita por máquina, não pode ter "valor artístico". Não, não pode!

A verdade - falando-se com uma sinceridade brutal - é que muita gente está confundindo "valor artístico" com "valor comercial". Ninguém realmente se importa com as facilidades dos serviços da I.A., mas, sim, com a "gratuidade" disso. Se a I.A. fosse uma exclusividade dos artistas, provavelmente seria defendida com unhas e dentes por muita gente do ramo.

Só pra gerar intriga: se uma obra produzida exclusivamente por I.A. pudesse ser vendida por centenas de milhares de dólares, em leilões... ainda assim, aquele ferrenho opositor do uso de I.A. contrariaria o "valor artístico" desta obra?

Veja-se que a própria definição de arte sempre foi lotada de subjetivismo. Perguntar a alguém o que é arte não é a mesma coisa que perguntar o que é uma mesa ou uma porta. Ainda que exista uma espécie de "definição" nos dicionários, a palavra ARTE quase sempre depende do que os interlocutores acreditam que ela significa. Um fotógrafo vai dizer que a imagem gerada por sua câmera portátil é arte; enquanto o desenhista realista, que reproduz, à tinta, a mesmíssima imagem em todos os detalhes, vai dizer que foto não é arte, pois foi gerada por uma máquina. E por muito tempo se debateu o "valor artístico" dos designs gráficos. Um logotipo feito em Illustrator ou Corel Draw é arte? Uma fotomontagem é arte? E um panfleto publicitário?

Observe a foto abaixo. Isso é arte, pra você?

Pois uma faxineira confundiu essa obra (que estava exposta no Museion Bozen-Bolzano, no norte da Itália) com lixo e fez uma limpeza caprichada. Foi muito criticada pelo ato; mas convenhamos que a parte mais triste e revoltante foi o trabalho que a pobre faxineira teve.

Um episódio mais cômico e, até, mais difundido pela mídia é aquele do estudante de Seul que comeu uma banana colada na parede com fita adesiva (obra avaliada em mais de R$ 500.000,00!). Para ele, estava claro que uma banana colada na parede com fita adesiva só poderia ser um lanche em exposição. Uma banana pendurada na parede não pode ser arte (ou pode?).

Ainda explorando as dúvidas que pairam sobre o conceito ARTE, essa imagem que eu produzi exclusivamente em computador, usando tablet, colorindo via Photoshop e tentando imitar pintura à óleo, levando duas semanas e meia pra concluir, com horas de sono perdidas, é arte? O que você acha?

Se eu disser que menti descaradamente e essa imagem, na verdade, foi feita pelo Bing Image Creator, levando menos de 30 segundos pra terminar... ainda assim, é arte? Parece arte?

E quanto àquele desenho ou aquela pintura artesanal feita exclusivamente por encomenda, que o artista produziu apenas por necessidades financeiras, na base da raiva e inconformado por não ter nascido de família rica? É arte? Mesmo se o artista não queria passar mensagem, sentimento ou ideia alguma, e tudo foi feito apenas porque o cliente pediu deste ou daquele jeito? Este artista, em certa análise, não está fazendo a mesma coisa que a I.A. faz... mas de uma forma muito mais trabalhosa, demorada e penosa?

E se, afinal, não existe uma "definição universalmente aceita" da palavra ARTE (como a definição de "mesa" ou de "porta"), será que posso questionar o valor artístico de um quadro abstrato que parece ter sido pintado por um macaco ou por um cachorro (se é que não foi mesmo), e que está exposto em alguma galeria? Ou o valor artístico de um amontoado de lixo que o artista expôs num museu importante, alegando que a obra é uma "crítica ao capitalismo opressor"?

Posso questionar o valor artístico das obras da I.A.?

Muitas dúvidas. Respostas pessoais. I.A. é uma evolução tecnológica natural e sempre foi permeada de polêmicas... seja pela capacidade de substituir a mão de obra humana, seja pela possibilidade de... destruir a raça humana (como já acreditava o astrofísico Stephen Hawking, falecido em 2018). E tudo está acontecendo e evoluindo num ritmo difícil de acompanhar.

Mas é certo que a arte sofrerá grandes mudanças e a inteligência humana terá de se adaptar como puder, seja para aceitar os novos tempos, seja para competir com o que ainda está por vir.

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